segunda-feira, 17 de junho de 2013

Instigante Caio F.



“O passeio, escreveu Maurício no alto da página. Depois, na linha de baixo: composição. Mordiscou a ponta do lápis, os olhos postos numa mosca que esvoaçava em torno dele. Em voz baixa, repetiu o título, destacando bem as sílabas: o-pas-sei-o. Desenhou uma margarida entrelaçada na primeira consoante. Bocejou. Mordeu o lápis com mais força. Afastou-o e ficou olhando as marcas fundas na madeira. Passeio. Procurou lembrar de algum que tivesse feito. Não conseguiu. Melhor inventar. Um passeio de barco onde fossem todas as pessoas que ele conhecia. E as pessoas que ele não gostava fossem ficando pelo meio do caminho, morrendo afogadas, abandonadas em ilhas, em barcos em alto mar.
Começou a escrever os nomes dos passageiros do barco. (...) Pensou em quem chegaria ao final da viagem. Ele, naturalmente. (...) E os outros? Afogá-los não podia. A professora não ia gostar.”



Caio Fernando Abreu


                                                        Fotografia: Polianna Souza

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