“O gato apareceu
de repente na montanha. Era um pobre bichinho débil, que miava silêncio. Preto,
parecia cinzento – de tão sujo. E, além de sujo, maltratado, com um olho
desfazendo-se em gelatina, e uma orelha empapada de sangue. Olhou para mim
tristemente, como nós às vezes olhamos para Deus. E eu, certamente, queria ajuda-lo.
Mas então vi como aquele caminho deserto se fazia subitamente povoado; o
espírito das superstições me dizia: “Olha que é um gato preto!” E o espírito da
ciência murmurava-me: “Está cheio de parasitas, que te infestarão!” E esse vil
espírito prático da era contemporânea aparteava: “Ademais, como podes ajudar,
se estás num caminho deserto e sem recursos, onde não se avista nem um teto nem
um veículo?” E só o espírito do amor segredava tímido: “Toma-o nas mãos e
leva-o contigo. Verás que, no teu colo, seus olhinhos lacrimosos se fecharão
adormecidos; sua fome se esquecerá, suas feridas fecharão...” Mas o espírito do
amor segreda com tanta timidez!”
Cecília Meireles
Fotografia: Polianna Souza
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